Escassez de água ameaça rios do norte do ES

Escassez de água ameaça rios do norte do ES

Com baixos volumes de chuva, alta demanda por irrigação e salinização são problemas que afetam municípios da região

Por Daniel Hirschmann

Com três rios principais – Doce, São Mateus e Itaúnas –, a região norte do Espírito Santo convive com a baixa incidência de chuvas, um problema histórico, mas que pode se agravar e se tornar crítico diante das mudanças climáticas globais, com aumento da temperatura média na Terra decorrente da emissão de gases do efeito estufa. Estudos mostram que um dos efeitos disso é a maior frequência de eventos extremos, sejam tempestades ou secas prolongadas, devido a alterações do ciclo hidrológico e dos padrões de precipitação pluviométrica.

“Períodos secos mais intensos comprometem, por exemplo, o abastecimento de água de uma região, especialmente quando esse abastecimento provém da captação em mananciais superficiais, cuja vazão tende a ser reduzida quando diminui a precipitação”, diz o estudo “Mudanças climáticas: efeitos sobre o Espírito Santo”, realizado pelos pesquisadores Antônio Meira Neto, Franciélli de Paula Dela Costa e Diogo Costa Buarque para o Instituto de Estudos Climáticos do Espírito Santo (IEC-ES).

Segundo um dos autores, o chefe do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Diogo Costa Buarque, as regiões norte e noroeste do estado são as mais afetadas em termos de impactos de mudanças climáticas.

“Temos expectativa de ter uma redução significativa de precipitação em relação à média nessas regiões, que naturalmente são aquelas em que menos chove no estado”, afirma o professor.

No caso do norte capixaba, de acordo com a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), o baixo volume de chuvas, inclusive, já contribui para a ocorrência de um balanço hídrico insuficiente, ou seja, a quantidade de água disponível nas bacias hidrográficas da região torna-se menor que a quantidade necessária.

Importância da região

Essa situação pode ter reflexos significativos para o estado. Para se ter uma ideia da importância da região, dos 14 Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) existentes no ES, sete são de lá. Além dos CBHs dos rios Itaúnas e São Mateus, na região da bacia do rio Doce há cinco outros comitês – Guandu; Santa Joana; Santa Maria do Doce; Pontões e Lagoas do Rio Doce; e Barra Seca e Foz do Rio Doce.

A especialista em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos Mônica Amorim Gonçalves explica que as águas dos rios da região norte, assim como as da maior parte do Espírito Santo, têm três usos importantes – a irrigação é o principal deles, seguida pelo abastecimento humano e, depois, o uso industrial.

Irrigação e salinização

Nesse contexto, os problemas mais sérios estão associados, principalmente, à questão do saneamento. “São esgotos lançados sem tratamento e que levam à poluição dos mananciais. E nessas áreas em que se tem uma demanda muito grande de irrigação, como no norte do estado, já existe uma escassez devido ao baixo volume de chuva”, observa a especialista.

Esses dois fatores – escassez de recursos hídricos e a poluição de parte deles – fazem com que todos os anos haja momentos de falta d’água. “Não tem água. É preciso fazer acordos e outros movimentos, inclusive para o abastecimento das pessoas. Esse problema é muito comum ali, nas bacias do rio Doce, do Santa Maria do Doce e Santa Joana”, destaca Mônica.

A Agerh observa que grande parte da disponibilidade hídrica do estado está comprometida com as demandas atuais e aponta que, nas bacias do Itaúnas e São Mateus, especificamente, ocorrem problemas de falta de água para irrigação e eventos de salinização. “Em uma perspectiva futura de aumento do consumo de água, a situação pode se tornar crítica”, avalia a agência, no documento De Olho no Rio – Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH).

Mônica Gonçalves explica que, na região de São Mateus, o comprometimento por conta da salinização está relacionado à localização da captação de água, feita perto da foz do rio. “Já o problema de escassez está associado à questão da quantidade de chuva mesmo, que é menor nessa região, e à elevada demanda, além de problemas de desmatamento, que diminui a disponibilidade de água, porque reduz a infiltração de água no solo”, acrescenta.

Planejamento de soluções

A busca de soluções para os problemas hídricos da região norte, bem como do restante do estado, envolve processos de planejamento, com planos de recursos hídricos e enquadramento dos corpos de águas em classes, que são feitos em todas as bacias e, em escala estadual, com o PERH.

Nesses processos de planejamento é feito um diagnóstico da situação atual e se estabelecem cenários do que pode acontecer se o uso da água se mantiver da mesma forma. A partir daí, traça-se um plano de ações com medidas para recuperar e conservar tanto a disponibilidade quanto a qualidade da água.

São ações relacionadas, por exemplo, à ampliação da coleta de esgotos, identificação de áreas prioritárias para reflorestamento e capacitação de produtores rurais para melhor manejo do uso da terra e da água. “Identificamos que, melhorando o manejo do uso da terra e da água, principalmente na região norte do estado, poderíamos diminuir em torno de 30% o volume da água que é captada para a irrigação”, revela Mônica Gonçalves.

Dificuldade para implantar

Da parte do governo, a especialista cita medidas como o Programa Reflorestar e ações de ampliação do saneamento e do tratamento de esgoto pela Companhia Espírito-santense de Saneamento (Cesan). “Mas existe toda uma dificuldade em cumprir aquilo que é estabelecido nos processos de planejamento”, lamenta ela, destacando que “nem tudo aquilo que é estabelecido nos planos de recursos hídricos é colocado em prática”.

O motivo, entre outros, é que a política de recursos hídricos “é descentralizada, integrada e participativa”, o que é positivo, mas “muito complicado de fazer acontecer na prática, principalmente no Brasil”.

Isso porque o plano de ações envolve diversos atores, como o próprio governo, produtores rurais, usuários da água e sociedade civil, entre outros. “Há uma dificuldade muito grande em mobilizar todos esses atores para que essas ações sejam colocadas em prática, inclusive com investimentos financeiros”, afirma.

Mônica entende que é preciso, também, maior sensibilização dos próprios usuários da água e dos agricultores, sejam os grandes ou os pequenos. Para ela, como houve um estudo profundo que gerou um diagnóstico, se fosse possível cumprir as ações isso melhoraria muito as condições de qualidade e disponibilidade de água, porque os processos são voltados para a realidade daquelas regiões.

“Teríamos um resultado bom. Infelizmente, isso não é feito à risca. O que não é um problema exclusivo do Espírito Santo, acontece no Brasil inteiro”, comenta a especialista.

*Matéria publicada originalmente na revista ES Brasil 222, de julho de 2024. Leia a edição especial do Anuário Verde sobre água aqui

Fonte: ES Brasil